sábado, 28 de novembro de 2009

Conhecendo Uran

    Leitura anterior: "Encontrando Uran".


    - Irei revelar-te minhas reais motivações para a confecção desta obra, mas isso consiste em caminhar pelas lembranças da história deste humilde senhor.
    Ele fala esquisito, entrelaça palavras poéticas com um inglês britânico quase perfeito, não fosse pelo sotaque francês. Fiz que sim com a cabeça.
    - Sempre houve o desejo de tornar-me escritor, mas foi necessária minha precoce participação na vinícula da família. Completando 16 anos consegui angariar participação em uma húmile biblioteca em Arles - fica um pouco afastada de Paris. - e aos 19 passei a ser chefe de departamento da Bibliothèque Sainte Geneviève - em Paris.
    - Com 20 ocorreu o pior fato dessa vida: em um dos finais de semana que fui visitar meus pais em Arles, durante a noite, o barracão de processamento de uvas explodiu. O relacionamento deles não estava em seus melhores momentos, mas nunca me passaria pela cabeça o que sucedeu.
    Percebi uma certa hesitação por parte dele, seus olhos claramente brilhavam por choro contido. Parou atrás do sofá e apoiou as mãos na cabeceira. Respirou fundo e continuou:
    - Meu pai estava no barracão. E lá também tudo o de mais imprescindível para o funcionamento da vinícula... Eu e minha mãe tentamos apagar o fogo, mas foi inútil, detivemo-nos a assistir a nossa própria ruína.
    - Em casa havia um livro e um bilhete deixados por ele. O livro estava selado com um grande cadeado, e o papel dizia: 'abra somente quando sentir o medo". Meu pai era meio estranho, falava sempre rimando achando que era poeta. Lavrador, coitado... Entendi que 'o' medo não era qualquer receio, mas um sentimento que eu certamente iria identificar. E identifiquei.
    - Certa vez, ao sair da biblioteca à noite, fui surpreendido por um rapazote. Enrolou-me com um pedido por cigarro e alguém me acertou por trás. Quando despertei estava atado a uma cadeira em uma sala bem escura. Eles vociferavam me questionando sobre um livro, onde haveria eu de ter escondido o Livro de Gripp.
    Comecei a ficar empolgado com a história, pois ele conta com uma voz lenta, quase parando, pensa em palavra por palavra, cheguei a bocejar antes dessa parte. Ele continuou em tom mais agudo:
    - Quase defequei de terror. Disseram que decepariam meus dedos se não revelasse a localização do livro. Tive a certeza que ia morrer, eu não tinha o que dizer... Comecei a explicar que não conhecia tal obra, mas não precisei falar muito. Um dos guardas de guarita na biblioteca, que eles não haviam rendido, chamou a polícia, que encontrou-nos em tempo. Ao ouvirem a sirene perto os bandidos correram, um fugiu, o outro faleceu baleado.
    - Passei uma soma de tempo na delegacia explicando, deitei em casa, mas sem dormir. De manhã logo recordei do livro que meu pai deixara. Arrebentei o cadeado.
    Sentou-se de volta no sofá, deve ter cansado do peripatetismo¹. Fez um suspense, olhou bem para mim e arregalou os olhos. Levantou o dedo indicador na altura do peito, apontou para mim e disse:
    - Careço de um copo d'água. Só um instante.
    Olhei para ele com a cara de "vou te matar", mas ele saiu mesmo assim. Quando voltou eu já estava em pé, andando de um lado para o outro, revoltado. Claro que minha revolta passou ao final do monólogo, quero dizer, da conversa.
    Ele voltou com um copo de água cheio, será que demorou aquele tempo todo só para encher um copo?
    - Você não conjectura o que havia naquele livro!
    - Uma receita de pudim! - Exclamei me virando para ele.
    - Não exatamente. - Respondeu com um sorriso. - Ao meio das páginas havia uma cavidade e, dentro dela, uma chave. Retirei o objeto e li algo escrito no fundo.
    - Deixa eu entender. - Interrompi. - O livro, então, de livro não tinha nada?! Era um buraco com uma chave...
    - Exatamente, como eu disse. E atrás da chave, no livro, estava escrito: "essa é a chave da felicidade".
    Pensei em dizer que não precisava contar tantos detalhes, podia ir direto ao que importava, mas ele estava gostando... E continuou:
    - Lembrei que meu pai por vezes comentara acerca de um poço de onde retirávamos água na propriedade. Ele dizia:

    "Esse é o poço da felicidade,
    virei para cá quando a tristeza me alcançar.
    Quando eu tiver que me afastar dessa maldade,
    é desse poço que a alegria irei buscar."

    - Não hesitei, fui para Arles descobrir o que havia naquele lugar.


    ¹ Peripatetismo: aquele que ensina (conversa) caminhando.

4 comentários:

  1. Hehehehe.
    Já estou trabalhando nisso. Obrigado pelo incentivo.
    Ninguém comentou... achei que estava ficando ruim.
    Valeu!
    Abraço.

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  2. Acredito que ninguem tenha comentado porque é de dificil interpretação, pra mim cada fala sua tem 10 significados diferentes!
    Acredito que você tenha publicos diferentes no teu blog, os que ouvem suas musicas não compreendem com tal facilidade a historia pois a dinamica dela é bem diferente.
    Aposto que se fizesse os dois blogs teria mais aceitação =).

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  3. A idéia de dois blogs é boa, mas não é usual para mim. Não tenho o tempo que gostaria para me dedicar da forma que gostaria...
    O blog está servindo para mostrar o que sou, o que crio. Acredito que vai ser boa essa interação de públicos diferentes.

    Muito obrigado pela visão e pelo feedback, assim posso aprender a como melhorar e a agradar mais os leitores.

    Grande abraço!

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